terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Gosto de sair para a rua. (Crónica do esquecimento).

Como mulher ligada às letras gosto de sair para a rua, e este sair para a rua levaria o leitor a pensar que gosto de bater perna por aí, ao sabor da descoberta. Pode ser que sim, pode ser que não.
O facto, ou o ´´fato`` que a concórdia recente em volta da língua mãe e que me salta à vista em tudo o que é escrito nas bancas de jornais, ou nas telas televisivas, mas que eu e uns quantos revolucionários linguísticos teimamos em ignorar. A bem dizer, aqui o termo revolucionário transporta um sentido antagónico à coisa. E arrisco assim meia dúzia de olhares de esguelha,  pois li algures por aí mais ou menos isto. Que o acordo é tão-somente um salto no futuro, tudo é mutável, e revisões à língua materna tem vindo a acontecer esporadicamente ao longo dos tempos, rematava o artigo com uma reflexão muito bem elaborada, por sinal, sobre a origem do latim e a sua influência na língua portuguesa ou no galaico, assim como o salto para o actual português, que não vem agora ao caso, de Latim não percebo patavina.

Por isso mesmo adiante, o facto é que o tempo urge e conversa que se perde nas entrelinhas numa ânsia de perdurar, normalmente é sol de pouca dura. Assim sendo dou asas aos pensamentos numa tentativa de que o meu ´´latim`` não vá por água abaixo. Tal como as aspas que gosto de utilizar nos textos que escrevo, e que às vezes se perdem em contramão no Facebook, e volta e meia lá vem uma alma caridosa elucidar-me que esta ou aquela palavra caiu em desuso, ou que é gíria, outras vezes que é lastimoso que eu, logo eu, que tenho a mania que sou escritora não tenha cuidado redobrado com os termos utilizados naquilo que quero transmitir. Será de bom-tom informar, que normalmente o faço com a noção perfeita do efeito que determinada frase ou palavra em desuso terá no leitor. Imodéstia minha, assumo, é tão-somente a minha contribuição para que a lembrança não falhe.

A lembrança, ou ´´alembradura`` alcançará o auge se se souberem preservar memórias, e claro está, a língua é e sempre foi a nossa memória palpável.

A ´´ alembradura`` é para aqui chamada porque frequentemente a ouço a rapazes e raparigas enquanto esperam o autocarro, na praça fronteiriça á minha casa, e dou por mim a rir a bandeiras despregadas do português que os miúdos de agora falam. Sem que deixe de ficar estupefacta com o papel da escola para que assim seja, este meu estado pasmado deve-se à memória bem latente da palmatória da professora Rosário Maltez, a cada facada que eu dava na língua mãe.
Voltando ao sair para a rua, gosto de sair para a rua, de me perder nas conversas alheias, estou mesmo a ver, lá me vão acusar de cusca. E conseguiria eu colocar alguma coisa no papel se assim não fosse?

Para terminar apraz dizer que tenho saído para a rua nas últimas semanas, e que apesar das luzes natalícias não cheira a Natal, as conversas não cheiram a Natal.

Cheiram a velhice, a ordenados em atraso, a crise nas pedreiras e nos outros sectores da economia, cheiram a angústia.

Mas como sou cusca e acima de tudo inconformada, gostava de ter saído para a rua e que as conversas mais ou menos intelectuais tivessem descaído na última semana no Ranking das Escolas 2014 e do resultado da escola que a minha filha frequenta, constar nos últimos lugares da lista.
Coisas que a ´´ ALEMBRADURA`` das conversas estudantis enquanto esperam pelo autocarro me traz à ´´ MIMORIA``
Gosto de sair para a rua e de ouvir, mais do que conversar, gosto de sair para a rua e de ouvir os desconhecidos, bem mais do que aqueles que tal como eu se julgam intelectuais.

Só assim as palavras que escrevo têm algum sentido.
Dizia-me um dia destes um antigo professor, ao ser-lhe apresentada por um amigo.
 - Ah, escreve poesia, espero que saiba transmitir alguma coisa naquilo que escreve, senão não vale a pena.
Respondi, -acho que não sei escrever palavras bonitas aos olhos de quem lê-.
Olhou-me incrédulo, como quem diz.
´´ Pois sim``…

Antónia Ruivo.

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Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo