quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Do outro lado...

Se eu agora falasse de amor
Diria o teu rosto,
Numa cantiga vadia o teu gosto
Não ignorava as tuas mãos,
Areias movediças no meu colo.
Traria ao papel os teus lábios
Sob a nudez do meu seio.
E nas linhas o rodopio do sentir.

Se agora falasse de amor
Empurrava o tempo,
Noite dentro, dia claro.
Nas janelas ante abertas
Da alma cansada.
Dos teus medos… meu anseio
De mulher… sobretudo falava de brisa,
Ligeira, como ligeira é a sorte,
Ali, do outro lado do tempo!

Pé ante Pé...

Recuso as pedras da rua
Unidas entre si pela terra fértil.
Ignoro a lágrima brotada
Sob os pés que pisam a calçada.
Estéril a minha crença!
Por ventura desconheço
Esperança.

No cair da tarde, maruja memória
Logo de manhã, indiferente a estória,
Enquanto vasculho o alheio ausente…
Tenho nas mãos o presente
No sol que me sorri.
Ele ali vai…

Um pé adiante, outro atrás
Afugenta cansaço,
Sem desembaraço.
No rosto Alentejo
Nas mãos saudade,
Sei que olvido liberdade…

No tampo da mesa repousa a chávena,
De um café negro,
Nas pedras da rua passa alheia
Uma brisa ligeira,
Pé ante pé empurra a morte
Numa pasteleira.



terça-feira, 23 de setembro de 2014

Tal como eu...

Por vezes olho as rugas no rosto
De frente para o espelho sincero.
Olho e sei que sou eu.
Aquela que no mês de Maio aprendeu
O cantar liberdade,  
Com as mãos em sangue
Pelos sargaços em flor.
Nas encostas da serra e com as giestas
Aprendeu solidão.
Ali ao lado os velhos, quinhão irmão
Do peito em chaga.
Defraudamos melodias em voz desafinada!
Em todos os timbres uma pomba liberta,
E no refrão um punhado de gente
Que tal como eu aprendeu Abril.




quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Traço...

A vida entrega espinhos aos Poetas
Quem disser o contrário é porque mente.
São marioneta mais ou menos consciente
Vejam bem, até podem ser estafetas.

Podem gritar amor ao afundar em rancor.
Dançar ao luar com vontade de chorar,
São fuinhas, trapaceiros no ringue a deslizar.
Levam às letras o peito em dor…

É ver os de outrora, com eles aprender,
O que é ser poeta…
Com Camões o mundo a desbravar,
Com Florbela o despeito no amar…
Com Bocage escárnio e maldizer,
Mas também sonetos de morrer.
Com Pessoa, o pai do realismo,
Em tantas caras sem grande fatalismo.
E a Cecília, de palavras ternas,
Às vezes adagas com asas.
Tenho que falar de Aleixo,
Poesia em pau de Freixo…
Despida de salamaleques!
Maria Alberta Meneres, criança equilibrada.
E de António Gedeão em Lágrimas de Preta.
Mas incute-me esta raiva a falar de Ary
´´ Malabarista, Cabrão, Poeta Castrado Não.``

Como vêem é fácil falar de poesia.
É deserto e ventania!
Ou então criança na rua despida.
Mendigo, gaiato, corcunda!
Desde que não seja surda, nem muda.
´´Ser poeta é ser mais alto como quem beija``
É ser autêntico, e sobretudo,
No traço adivinhar o seu cunho…




Ao ler...

Louca varrida, fúria desenfreada
Força da natureza em nenhures,
Perdida no vento aleada, ou enleada
Em quimeras, senhora dos meus crimes.

Tudo isto, eu sou… e posso ser madrugada!
Geada branquinha no pasto, dando ares
A serraria, ou então moira encantada.
Posso ainda ser o montado e suas cores.

Serei tudo o que quiseres, a teu prazer.
Minha pena é matreira, traiçoeira,
Outras vezes é mulher e o sofrer.

Pode também ser amor a acontecer.
Pode ser raiva, despeito, até verdadeira!
Será tudo o que quiseres ao ler…


terça-feira, 16 de setembro de 2014

Paiol

Deixaste para trás um rasgo de luz
E nos meus olhos nasceram falsos cristais.
Nos meus cabelos fortes vendavais
Que soltastes num rasgo que traduz.

Quem sabe a falta de brio que conduz
Ao abismo do sentir um pouco mais.
Ou então estorno de diversos areais,
Correria louca perdida em farta cruz.

Ao deixar para trás o pouco importa
Se a saudade do que foi brilha ao sol,
Se por entre os dedos o querer transporta.

Uma raiva estendida, folha morta
Que dança ao vento olhos postos no paiol,
Que é o coração de tranca à porta…



terça-feira, 9 de setembro de 2014

Sopapo...

Por entre as sombras da tarde indago
O coração que adormece dolente
Uma esperança que chega, parece sopapo
Quem sabe uma voz na planície distante.

Uma alma aprazível que almeje o afago
De uma conversa serena, o amanhã diferente
Sem credo, nem cor, pode até ser náufrago
De um mar de dor, pode ser indigente.

Assim as sombras recolham ao nascer
De um dia que outrora preferiu escapar
Por entre os dedos, que precário amar

Assim na noite o destino ordene
Às estrelas distantes no seu belo brilhar
Que imponham à tarde um sentir perene.



Outono... Décimas

Esqueço da terra por vezes
E a chuva me traz a lembrança
Nos regueiros da calçada cartazes
Prenúncio de subtil mudança.

No calor da terra eu desmaio
Num sonho deitado ao chão
Como a acidez do limão
Esta contenda (retraio.)
Brincadeira de catraio
Se assemelha a confusão,
No tempo a mutação
Corrupio lá no alto,
Ignóbil aparato.
Esqueço da terra por vezes.

Vejam bem o esquecimento
Tão próprio da alma humana,
Criatura ´´apraz`` insana
Sentimento ciumento.
Na incerteza nascimento
O vento arrepia caminho,
À terra gretada um espinho…
De um tempo que já não é,
No céu estrondoso banzé.
E a chuva me traz a lembrança.

- Olha o Outono acolá.
Virar de esquina perfeito.
Esvai-se o verão contrafeito
Nos corpos ao deus dará.
A chuva cumprimenta – olá-
Para de seguida fugir.
Mês de Setembro a carpir
No restolho a morrinha,
Da brandura à noitinha.
Nos regueiros da calçada cartazes!

Ligeiro aviso a Inverno
Que em Dezembro comanda.
O que o Outono em demanda,
Com o sol quente fraterno
Trata de manter eterno,
No eixo que lidera a vida!
Ano após ano erguida
A força da natureza,
Alheia ao homem, pureza.
Prenúncio de subtil mudança!




sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Logo é Passado...

 Ao pressentir distante um chorar magoado
Veste -se de negro o coração Inquieto.
Esse luto forçado no peito é guardado,
Por lágrimas travessas de fino trato.

Penso comigo que destino errado,
Dentro do armário um feio esqueleto.
Lapso no tempo, logo é passado,
E o coração tristonho anoitece quieto.

Como as andorinhas de um preto azulado,
Assim a saudade vai superando o dia.
Esvai a tristeza por entre a noite fria…

Chega o despeito, estranha companhia!
E ao meu ouvido sussurra irado.
- Aprende a voar. Que o tempo é malvado…




terça-feira, 2 de setembro de 2014

Porém...

Se nem sequer sei quem sou
Estranha demanda em que vivo
Serei o pó que restou
De um dia intempestivo.

Como queres que pressinta quem és
Se passas sem deixar rasto.
Repara no mar as marés
Deixam na praia sargaço.

Inquiro as sombras do chão
Os teus passos onde vão,
Respondem as nuvens no céu.
- Perdidos em contramão…

Pergunta a sorte macabra
Por nós dois em dia sim,
Logo a noite informa.
- Perdidos até p`ra mim.

Como vês o azeite e a água,
São desalinho constante…
Porém a ponta do véu
Está no sol a levante.





Cinzas...

Sei que no teu peito arde a fogueira do ciúme
Na pacatez emocional que escondes do dia,
Queima em labaredas a memória do meu corpo,
Onde a confiança é fachada atribulada
Pelas evidências.

Vê bem.
A facilidade de atear as brasas,
A morrinha do medo.
Ou a incoerência dos meses.
Vê bem.
Só preciso de palavras escritas em contramão,

E do teu peito saltam as cinzas em aflição…

Cal...

A pedra se desfaz em pó
Alva brancura espelhada
Na lembrança de todos nós
Está uma parede caiada

Por entre o negro da veste
De uma velhinha trigueira
Escorre a cal que lava
A casa de qualquer peste

E nesse branco tão branco
Os meus olhos se deleitam
Por vezes até o pranto
Ao branco se entrelaça.
Saudade de uma cana-da-índia
Onde o pincel pendia,
De cá para lá em azáfama
A parede branca sorria.

E vejam bem a tal cal
Que acompanhou a velhinha
Na vida em cascata…
No dia de descer à terra
No seu ventre foi jogada.
E eu sei, sei porque senti,
As mãos da velhinha
Presas à cal em frenesim.
E eu chorei, chorei com pena de mim
Que hoje ignoro a cal
E o seu branco em festim.



Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo