domingo, 31 de março de 2013

Páscoa 2013




Na pedra fria o sinal dos passos
Esculpidos pelo sofrimento
Por entre medos e embaraços
Na pedra fria o tormento

Que o gentio transporta
Numa sacola invisível
Mendiga de porta em porta
Por entre luxuria exequível

E a pedra apenas memória
De era em era transita
Gravada no veio a história
De grande ou parasita

Portugal na chuva que cai
La fora em dia de Páscoa
Afoga ou quem sabe distrai
A fome que agora passa

Ali na ombreira da porta
Na entrada de um prédio antigo
Onde um pedinte aflora
O que foi grandioso postigo.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Tenho Fome



E a fome que eu tenho não me pesa no estomago
São os sonhos que escasseiam nesta terra de ninguém
Não sei se ando ou se vou a reboque, perdi o âmago
O cerne da existência ficou além da certeza
Só o restolho me entende, e o tempo que está tao longe
Quando volta?

As noites no canto da chaminé
Historias que levitam nas chamas
Estranhas memórias em viés
Estranha a fome nas entranhas

Tenho fome
A fome de um país em transe
Na deriva que assim afunda
A vida, a sorte, o sonho
Tenho fome… Grito ao tempo que me acuda.

Carta para Júlio Saraiva. Poeta brasileiro. 21 de Março 2013.



Sabes, Poeta, a noite vai alta mas eu sei que tu entendes que te escreva a esta hora, os poetas são seres por vezes muito estranhos, dormitam de dia e escrevem de noite, não que eu dormite de dia, com a idade fui perdendo a capacidade de dormitar, agora ou durmo, ou não, e ás vezes é mais o que não durmo do que aquilo que durmo. Eu sei que entendes esta minha conversa, que à maioria dos olhares pode parecer meio desenxabida.
 Passei pelo Corrupião e permaneci por lá algum tempo, deslizei o olhar pelos teus poemas, pelos poemas dos que admiravas enquanto poetas e descaí os olhos na minha imagem, ali, rodeada de verdadeiros poetas, que a Dirce um dia lá colocou. Recordo como se fosse hoje, a mensagem que me enviaste com o endereço do blogue, onde dizias assim, `` a minha Dirce está a criar um blogue pra mim, está a pôr os poetas que admiro e tu minha irmã alentejana vais estar no meio deles.´´
Eu sei, também sou poeta, há muito tempo que me deixei de falsas modéstias e me assumi como tal, e tu, tiveste muita culpa no cartório, lembraste quando um dia por acaso leste uns versos meus e me chamaste poeta, foste a primeira pessoa que assim me chamou, nesse dia escreveste, ´´ és poeta, sim poeta, porque para mim a palavra poetiza não existe, ou se é poeta ou não se é, seja homem ou mulher.´´ Fiquei curiosa, para à medida que lia a tua poesia ficar vaidosa, pois é também sou vaidosa, todas as mulheres o são, eu não fujo à regra, como é que um mestre na poesia me tinha chamado poeta. Imagino o que estás a pensar, que raio de conversa, poeta.
Hoje aconteceu-me uma coisa curiosa e que também me deixou vaidosa. Sei que para ti não seria surpresa, pois em todas as palavras que deixaste sobre o que escrevo, sempre ficou bem claro que um dia as coisas iriam ser assim. Às vezes achava que eras um pouco louco, mas acabei por acreditar na tua conversa, outra característica dos poetas, a loucura passageira, bendita loucura que nos faz escrever desalmadamente, principalmente a meio da noite.
Hoje como vês assolou-me essa loucura instantânea, e com ela veio a insónia, ainda pensei em escrever uns poemas, mas depois decidi que tinha que te dar uma palavra, mais que uma palavra.
Sabes estou um pouco zangada contigo, não tinhas nada que partir, assim de repente e tão cedo, quando tinhas tanto para dar ao mundo, vais replicar que estavas muito cansado, contudo partiste e nunca chegamos a ter uma verdadeira conversa, como esta que estamos a ter agora, apesar da admiração pela escrita um do outro, nunca conversamos sobre coisas banais, nunca nos sentamos a beber um café, num qualquer bar de gente simples, porque o oceano que separava a nossa poesia, é o mesmo que um dia nos fez cruzar caminhos, não há lonjura para os poetas, mais cedo ou mais tarde acabam por se cruzar.
Com toda esta conversa ainda não te disse porque fiquei vaidosa, neste dia, é que houve alguém aí desse lado do Atlântico, que pegou no mesmo poema que tu um dia leste, e o trabalhou num ficheiro muito bonito, alguém de quem nunca tinha ouvido falar, como tu no dia em que me chamaste poeta pela primeira vez. Pois é, fizeram aí no teu país um daqueles ficheiros que chamam de ``pps ´´ a vida às vezes tem destas coisas, e eu tinha que te contar.
Agora meu amigo Poeta, deixo-te descansar, com a certeza de que a tua poesia nunca morrerá, todos nós que te admirávamos não deixaremos que isso aconteça, e os que nunca tiveram o privilégio de cruzar o teu caminho em vida, ao cruzar com a tua poesia saberão que o Brasil nos deu grandes poetas e que tu foste um deles, só que normalmente a vida dos poetas por vezes torna-se muito complicada, e esvai-se antes do tempo.
A planície alentejana que mesmo sem conheceres te cativava envia-te um abraço, eu não me despeço de ti, porque no mês de Agosto quando as noites são quase tão claras como os dias, tal a quantidade de estrelas no céu, eu olharei lá para cima, tu lá estarás, serás a estrela mais brilhante nessa noite, aí vou-te dizer. Vês Poeta, como é lindo o Alentejo, e é por ser assim dessa beleza impar, que eu carrego na alma a poesia.
Antónia Ruivo.

O que é isto de ser Poeta.



Bem longe vai o tempo
Do poeta de pés descalços
Dos bares corridos a eito
Dos dedos enegrecidos
Pelo morrão do cigarro
Das paixões em revés
Que ditavam cada linha
Da raiva em fúrias marés
Que o poeta adivinha.

Ser poeta no agora
É fino parece bem
Virou moda, mas outrora
A poesia ia além

À alma de quem a lia
Ficava marcada no tempo
Hoje é rima fugidia
Que se dissipa no vento

Que a miúde se levanta
No meio de tanto alarde
Porque às vezes, o ser (poeta)
É poalha sem entrave…21-03-2013

sábado, 9 de março de 2013

Paciência




Um pé no ar outro no chão
Até parece acrobata
Num segundo de raspão
A vida sucumbe ou escapa

Nas perguntas sem resposta
Esta é uma delas
Que levamos da existência? Um rio de barrelas…

Levamos também amor, o que conseguimos dar
Carinho, alguma cor a que conseguimos sacar
Ao nublado dos dias, arrelias contradições
No meio a fantasia de muitas, muitas paixões.

É assim a existência
Não há volta que se dê
Na vida muita paciência
Para enfrentar o porquê.

Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo