segunda-feira, 26 de março de 2012

Morte de um poeta


Há algo que não se agradece
Ao medo de ficar só
Nem ao dia que amanhece
À terra que vira pó

Ao homem que enaltece
Cegueira imaterial
Em prol de vida simples
Julgando que engrandece
Bem-estar irreal
Tolices, tolices, tolices
Eu continuo na minha
Antes ninguém que fuinha
Dor de cabeça crónica
Pretensão inútil e cómica
Na hora de morrer

Não se agradece ao nascer
Ninguém pediu para tal
Viver só por viver
É como comida sem sal

Olho somente
Azafama, plantar semente
Imortal, irreal
Ganância, ânsia iminente
Poder somente aparente
Ninguém brota imortal
Eu rio de mim
Ilusão passageira
Uma vida inteira
Eu e os versos
Avessos, incompreensivelmente
Demente, poeta de pouca virtude
Amiúde, submersa em mim mesma
Rio ainda assim

Na casa do lado, dorme-se
Confortavelmente, dorme-se
Um sono justo
Amanhã de manhã astuto
O dia nascerá de igual para igual
Eu, rio do suor e sal
Confuso o vizinho do lado, olha
Não entende patavina
Escortina,
Os meus pensamentos
Enquanto passeio o cão
Desconhece pois então
Que os poetas renascem
Nas manhãs que amedrontam
A quem dorme como ele
Nos dias cansativos
Busca o poeta a rima
Nos olhares furtivos, a sina
Os poetas não agradecem

Ao dia que nasceu
Á noite que morreu
Ao amor que fugiu
Ainda assim fingiu
Gratifica na hora de morrer, querendo

Nasci e vivi, morri e menti
Inventei e desbravei
Em cada rima que adulterei
Nos moinhos de vento que esculpi
Nas Giocondas que invejei
Nos heróis que rejeitei
Poeta que hoje viras pó
Agradece à vida por seres só.

É na solidão mais solitária
Que o poeta constrói
Por tudo isso retribui mas corrói
A tua alma por dentro
Mói, cada palavra estudada
Morreu um poeta na longa estrada
Jaz em cova rasa num país inglório
Os cravos murchos são bandeira
Na lápide um poema irrisório

Aqui jaz o poeta sem nome
Não lhe agradeçam jamais
Ele morreu de fome
Fome de palavras francas, desiguais
Dos fantasmas universais.
Que embrutecem o homem.


sábado, 17 de março de 2012

Crendices de um poema


Crendices e cobiças
Dor de cabeça onde alfinetes
Espetam certeiros, intermitentes
Os pensares imploram olhares
Raivas ocultas, masturbação inglória
Deixa na retina o acre da história
Tal Pilone ornamentado por estátuas mortiças
Na cera deslavada cai o ocre do desejo
Atenção, antecede os cornos do veado
A juba do leão, o barro
De tão velho cheira a morte
Abutres intransigentes desfalecem
Os deuses por fim têm o altar almejado
As cortesãs esfaimadas ajoelham

Aos poetas resta olhar
Olhar numa conivência aparente
Batam palmas ao descrente
Que o poeta benevolente
Abre as portas de par em par.

sexta-feira, 16 de março de 2012


Um vento gélido abeira-se
Veio para ficar, o frio atropela
A vontade que desmazela
Amor-próprio desnutrido
De pudor ou vicissitude, ao aproximar-se
O vento suaviza e descuida
Vontade macabra de ter

Ter, a palavra sonhada
Enrugada, parca fartura
Formosura intrincada na mente
Ter, pedaço de esperança amuada
Cordel esfrangalhado corta rente
O ramo de orquídeas brancas
Tombam suavemente entre portas
Ter, nunca teve afinal!

O vento acabou por despojar
O que restava da sorte
Foi agora a enterrar
Um indigente sem norte.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Dia Oito de Março


Doze meses tem o ano

Doze meses o engano
Virar de costas
Olhares arredios, impostas
Crueldades e barbaridades
Torturas, amedrontamentos
Doze meses de lamentos

Pergunto

Qual a beleza de um só dia
Porventura afasta a razia
De que servem palavras bonitas
Prendas atadas com fitas
São fitas, não saram golpes
Ramos de rosas são marionetas
Manipuladas são as vontades
Doze meses.

Pergunto

Onde está a beleza de um só dia
A sua utilidade é relembrar agonia
Em cada rosa desfolhada
Uma mulher é açoitada
Em cada sorriso aberto
Uma mulher morre aos poucos
Numa caixa de bombons
Morre além uma alma
Por isso não me peçam calma

Dia oito só existe
Porque a barbárie no mundo persiste.






Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo