quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Vida

Será a vida tresloucada
Fruto que murchou
Será o tempo arredio
Pedra que saltou
Será o Inverno sem estio
O culminar da trovoada

Tudo passa a reboque
Tudo muda tudo some
Além no descarrilar p`rá morte
É que o sonho se consome

E os homens
Deles tão pouco resta
Fechado na mão fica apenas uma aresta
E os homens
Serão o sal ou o salitre
O rei ou o pedinte

O fim sombreia a corrida.
O homem
Esse une-se à terra sem vida.



terça-feira, 22 de novembro de 2011

(Fados) Tentação

Traz-me uma ponta de sol
Uma nesga de céu azul
Traz-me um pedaço de terra
Uma ponta verde da serra
Traz-me uma romã vermelha
Em bagos regados a groselha

Traz-me meu amor a ternura
Mata-me a sede a secura
A lonjura é má companhia
Traz-me um sorriso, a luz do dia
Um ramo de verde cheiro
Meu amor afasta o Janeiro

Então florirá a Primavera
A minha sede em quimera
Satisfaz a tentação
De tocar na tua mão
Caminhar lado a lado
Meu amor traz-me um fado
De refrão repenicado

Adoça o beijo adiado
Aquecendo  a tentação.
Meu amor canta-me um fado
Que me fale ao coração.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Desejo


Trago na pele uma mistura transparente
Só eu a vejo, só eu a sinto
Torna os meus dias num labirinto
De memórias em contraste
São os sentidos, os desejos
Até me atormentam alguns ensejos
Mas, o dia corre apresado é benevolente
Ao meu desejo aguado

Trago na pele o teu cheiro
Só a minha alma o presente
Assim alimento o desejo
De que a distância seja insolvente.

domingo, 13 de novembro de 2011

Os teus passos

Os teus passos são uma valsa de Schubert
São o lago dos cisnes de Tchaikovsky
São o vento que desliza charneca fora

Esse toc, toc na calçada
Elevam-me ao pico de uma ilha deserta
Por lá me fico, de tudo alheada

Ao som dos teus passos quero adormecer
Nessa melodia quero me perder
Ao som dos teus passos

Eu quero viver.

Júlia Soares ( Pseudónimo )

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

De mim

Permissível é a procura inconstante de mim mesma
Imprevisível a procura que desfaço. De um abraço
 Um sorriso no rosto, o pequeno gosto de um aconchego.
Em contra mão procuro à noitinha a outra metade
Eu sei que está ali no meio do escuro, mas a verdade
é que desisto, cruzo os braços sossegadamente
Encosto a cabeça à ombreira da solidão
Afasto-me assim de mim com permissão.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Seria pedir muito


Dou por mim olhando as letras
Estou sentada defronte ao nada, pasmada
Com a velocidade estonteante, cometas
Se transformam as letras de uma assentada

Primeiro olho o P de seguida o A
Como quem não quer a coisa vai o Z
Logo atrás, a enxurrada traz a palavra
Paz, eu olho e olho com olhos de quem fez

Uma mistura gulosa que atrai  atenções
Desmembro o pensar em mil e uma razões
Ah, este ego carnudo que me sacia a fome
Seria pedir muito que saciasse o homem
Então o meu pais correria sobre rodas
Se a poesia gerada num tudo de palavras
Fosse a estrada, se a seguissem as multidões
Eu sei, sei porque sei que os poetas do meu país
Seriam guiões, transformariam  prisões em lagos
Onde as mentes correriam a afogar os socos

Que um novo dia sem alcance lhe dá nas costas
Mas este meu ego raivoso só a mim sacia
Hoje acordei assim, azeda e escrevo razia
Benditas as letras mudas que me deixam olhar poesia

Chamem-me nada, digam que sou utópica
Digam tudo o que lhes der na real gana
Digam tudo de tudo, deixem atrás a retórica
De que os poetas deste país são gente louca,

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A velhinha


Senhor Manuel o meu pãozito
Assim é todas as manhãs
Eu observo seu rosto bonito
Recordo a frescura das romãs

Costas curvadas p`lo peso da vida
Em passos curtos a praça percorre
De xaile nas costas fica tão bonita
Nos cabelos brancos a vida escorre
Eu observo seu olhar nobre
Ao mesmo tempo a ideia cogita

Quem será esta velhinha
Que se chega p`ra compar o pão
Será que em tempos não foi sozinha
Porque a solidão lhe escorre da mão

Terá tido filhos que deitou no mundo
Terá tido amor por breve segundo
Tantas as perguntas que quero fazer
Morrem nos meus lábios sem acontecer
Observo sem me alongar
O que receio se me aproximar
Tantas as perguntas sem ter respostas
Por fim vou embora num virar de costas

Quem será esta velhinha
Minha mãe poderia ser
Poderia ser a rainha
De um país por acontecer.


Recordações

Quero as recordações sem dia nem hora
Quero a imagem cristalina, ali presa na retina
Quero sol, quero a lua, a alma nua
Sentir o aconchego de uma aguarela esbatida
Anilada, levemente sombreada pela cor

Quero acordes ligeiros, um piano
Quero as tuas mãos percorrendo o meu rosto
Quero o vinho mas primeiro o mosto
A mistura açucarada em pleno Agosto
O travo na boca após o sabor

Intenso da saudade, que deus me dê saudade
Só não tem quem não chegou a nascer
Saudade, cabelos brancos a crescer
Uma vida, um entardecer
Saudade nem sempre é dissabor

É um caminho sem volta
Muita alegria e cor
Saudade se te afastas meu amor
É o descair da noite sabendo que chega o dia
Saudade palavra fácil e de muitos companhia

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Deixa-me escrever pequenos nadas
Porque me negas o modesto
Deixa-me escrever sobre o pó
Ou então sobre o funesto
Que me abraça sem dó
Deixa-me escrever desfolhadas
Em histórias que a memória guardou
Deixa-me escrever sobre nós
Sobre os dias que vivo, as noites que tenho
Sabes escrever significa as Mós
Que me elevam ao cimo me afastam do lenho
Ao qual uma pedra abraça, qual barcaça
Que se afunda, afundando também o sonho
O marasmo toma conta de mim ensopando o olhar
Só escrevendo afasto o pó, só assim consigo andar.

Moínha

Uma moínha irrequieta tomou conta de mim
Talvez seja do Outono e da chuva que chegou enfim
Toma-me os ossos, a pele cansada, comigo dorme
E dá-me os bons dias, assim me consome.
Esta moínha por vezes é manhosa, ri caprichosa
Do meu olhar aguado, ri do meu desejo vincado
No canto da boca crispada pela saudade.
Ri mas de seguida afasta a vontade
Que tenho de te dizer, é o Inverno está bom de ver
Este inferno em que se tornaram os dias.
Outras vezes a moínha traz frescas maresias
Que humedecem os cabelos brancos, vê bem
Até humedecem os lábios num breve desdém
Que fica aquém da moínha que corrói o pensamento

Não me dá descanso, será do Outono ou é o falhanço
Estampado na incompreensão do teu olhar intrigado. 
 

O que resta

Promessas são fisgas que arremessam ilusões
Pobres das almas que desconhecem, e assim padecem
Num tempo após risos francos, os nós corredios
Chegam, quando se afasta o estio esvaecem
Fragmentos e sentimentos que outrora trouxeram risos
Trazem agora a mágoa na incompreensão, as devastações
Propicias ao manto gelado que cobre o corpo
Torce-se agonizante nas faltas sentidas, nada é como dantes
O sol que aquecia as vidas agora é preguiçoso
O néctar de um beijo desfez-se em lágrimas salgadas
São tantas as madrugadas sem dormir
Promessas são tormentos a advir
Num tempo de cansaço e de desleixo

Gritam as bocas, soluça a alma, resta sucumbir na terra calma

Ainda


Ainda me escorre da lembrança
Um tempo anilado
Um perfume adocicado
Os dias esguios, os sentidos
Alertas para o toque das almas
Recordo ainda as tardes calmas
As sombras frescas, a erva verde
Recordo vê tu o amargo da sede
E o saciar na fonte fresca

Recordo um tempo que foi nosso
E que o tempo inexplicavelmente surripia
À idade que aos poucos esvazia
A vontade de agarrar, finjo que esqueço
O toque da tua mão, esqueço a aragem
Até o grito que sufoquei
Ignoro se anseio, apenas sei
Que a vontade destroçada
Me diz que sou pouco mais que nada.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Visível

Pega-me ao colo e deixa  que adormeça
Deixa-me sonhar que sou criança
Transmite a tranquilidade que almejo
Agonizo constantemente e nem reparo
Intranquilamente troco a vida por concerto
Surripiando à memória o impossível
Pega-me ao colo, torna assim visível
O melhor que há em mim.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Foi assim

Quando imaginei que não pensava
o pensar ficou rabugento
 atordoo-me o pensamento
colou-se por entre os olhos.
À boca saltou-me por entre os dedos
impávida acomodei-me no sereno
de um pensamento ameno
a tua imagem na minha pele saltitava

Foi assim ainda há pouco…

Quando sinto esvaziar
a mente corro a avivar
de versos corridos, fugidos.
Assim reavivo os sentidos
os dias percorridos. Tornados
ao peito enfim, suspenso pedaço de mim.
Uniforme é o frenesim
que verte sonhados abraços e assim
descaio por fim em teus braços.

Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo