quinta-feira, 28 de julho de 2011

Poema Síntipo

Vou ditar um poema síntipo

Andei esquecida por largo tempo
Ás vezes perdida num lamento
Joguei as rimas ao sol poente
Outras mandei pelo nascente

O poeta é um ser esquisito

Escreve como demente
Outras vezes é tão ausente
Remói o contratempo
Em busca de farto alento

Neste esquecimento reinventei um síntipo

Rua Nova

Sabes o que não te perdoo
Teres desistido da vida
Antes de tempo
Teres caminhado para trás
E eu avançado em frente

Sabes, a ultima recordação
Que está viva
Na minha mente
Amordaça a saudade
Impele à raiva
A ultima recordação
É o teu rosto
A descair por entre os ombros
À minha passagem

Nesse dia
A rua nova
Para mim será sempre
Esse o seu nome
Por mais que os homens
Imponham
A rua inclinada
Testemunhou
A tua negação
E ficou mais íngreme

Alguns meses depois partiste
Consumaste enfim
A sorte
Premeditada vinte anos antes
E eu não te perdoo
Porque desististe
Dos sonhos antes de tempo

E o tempo
Meu único aliado
Numa luta desigual
Incita-me à revolta
Recordando os sonhos
De liberdade
De duas crianças com esperança.


O muro

Bati com a porta, mas ficou a remoer
Bem no fundo do meu intimo
Porque tive que o fazer
O mundo não seria igual, o limiar distinto

Instigava à rebeldia
Acreditava mas soava a vilania
Bati com a porta ainda hoje não aceito
Que a utopia trespassa em defeito

Um muro que caiu com ele a certeza
De que senhores que governam
São tiranos em correnteza
Sobrancelhas arqueadas condenam

Todas as portas fechadas
Quando o espírito é liberto
Hoje nas caras trancadas
Vejo espanto encoberto

Pela falta de coragem
Pelo falso entender
Quem não aceita vassalagem
é-lhe mais fácil morrer.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Alienada

Pego nas palavras
O poeta desconhece
As minhas caminhadas
Serei
Sempre a alienada
Que busca o intimo
Do poeta
Não sou de meias palavras
Perco-me
Em estradas largas
As encruzilhadas deixam-me
Avessa
Por isso
Na minha loucura transparente
Minuciosamente
Desmembro
A poesia
Que salta nas folhas do dia

Peço desculpa
Ao poeta
Não pedirei à dor
Que o olhar transporta
Muito menos
À alegria
De uma rima com mestria
Peço desculpa ao poeta

Pelo atrevimento
De lhe desvendar a alma
Sem pedir
Licença para entrar
Peço desculpa
Por pegar no verso
E dar por mim a versejar.



O mundo

O mundo seria diverso
Desconforme na utopia
Seria um braseiro
Descomunal
Que afastava o frio
A neve e a geada
Cozinharia banquetes
Os pobres
Saciariam a fome
Os ricos
Teriam vergonha do nome

O mundo
Seria plano
Os braços pendidos
Ao longo do corpo 
Não seriam gemidos

Segundo o meu
E o teu olhar
E daqueles
Que adivinhamos
Captando a imagem
Gotejando por dentro
O mundo seria
Saltimbanco
Tocando realejo

Numa dança
Sem inconstância
Toldaria os abismos
Descomunais
Os homens seriam iguais.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Travesso

Travesso

Se me atrevesse
A escrever
O olhar intrigado
A noite agora calma
Naufragava
Nos teus passos

Atrevida
Seria a emoção
Com que a minha boca
Prenunciaria o teu nome
Apenas
O olhar trémulo
Desacreditaria
A incerteza
De que os meus pés
Caminharam
Sem sentido
Descalços
De embaraços
Há muito idos

A noite
É calma
Nem os grilos cantam
As cigarras emudeceram
Tenho a lua
Por companhia
A conversa amena
Desvenda
Os meus segredos
Por instantes
A lua cintilante
Desnudou
O teu rosto

Embora
A utopia
Seja poesia
Na qual me perco
Se eu me atrevesse
A escrever
Verso, após verso

O teu rosto brilharia
Travesso.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Quimeras

Inquietação
que domina
Parece franzina
Na noite calma
O ar que respiro
Relembra o suspiro
Da tarde

Inquietude
Olvidada
Pela mansidão
Do meu coração
Parece traquina
Olhar de menina
Na palma da mão

As noites sugerem anos
 Os anos eras
Num olhar cuidei
Mas de ti não sei
Semeio
Quimeras.

A pergunta

A noite sufoca o grito
Ar pesado
Que relembra saudades
Infinito nos olhares
Em que me perco
Estão baços
Pela ausência
De gestos
Porque me embrenho
No desconhecido
A pergunta
Repentina
Que assola
O meu espírito
Vadio.

Solidão



Se o papel
Fosse mata-borrão
Ensopasse as mazelas
Que a alma
Carrega em sobrecarga
Os dias
Seriam azuis
O céu tranquilo
O olhar
Abraçaria o desconhecido

Mas
Papel é só papel
De branco tingido
Ensopado em tinta azul
Tranquilo
Mais tarde descansa
Numa gaveta
Sombria

Onde a luz penetra
Pela frincha entreaberta
O papel
Continua azul
Tranquilamente frio
Igual ao meu coração

Escreve
Dias a fio
Enganando a solidão.


sexta-feira, 22 de julho de 2011

Coração



Tudo é mesquinho nesta vida
A mesquinhez da rotina
É giratória
Montanha russa que descarrila
Se eu estou, penso não estar
Se vou, não chego a entrar
No coração
Que me abre as janelas

Depois grito
Estou só
Desencantada
Desgovernada

Só não olhei o coração
Que batia
Pulsava na minha mão
Como ave bravia

Um olhar astuto
Um sorriso terno
Ouvir com atenção
A canção

Que me convida a dançar
A olhar a partilhar
Eu, na mesquinhez que não sinto
Virei costas ao recinto
O coração partiu faminto
Acabou por amainar.







Palavras banais

Fala que me amas
Na inquietação das palavras
Nos desencontros sem horas marcadas
A neblina dos dias confunde-se com o céu
Aos poucos desnuda o véu
 Fala
Das coisas banais, em vidas banais
Não tentes nem penses disfarçar a bruma
Que te adivinho nas horas marcadas
Sabes
Se  te decifro em horas desencontradas
Agouro o oásis nas horas encostadas
Ao sul

Fala que me queres na inquietação do olhar
Não tenhas receio das palavras banais
Aquelas que se dizem quando se quer
Fala que a banalidade também é poesia
Falar de amor faz avançar o dia
A noite se prolongará em palavras banais
Mesmo que a agitação traga vendavais
Ao sul

Os poetas caminham descalços
Repartem grãos de areia sem embaraços
Falam de amor em palavras iguais

Não castram a liberdade
Como os demais
Ao sul a terra é árida
O Inverno refloresce na Primavera
Perdem-se os poetas sem idade
Errando pelo infinito
Que transporta o amor em frases banais
Ao sul os poetas encontram-se
 Redescobrem madrigais


Restolho

Fala comigo amor
Fala sem ser por falar
Inunda-me os sentidos de algo que valha a pena
Fala comigo
Do canto das cigarras
De utopias
As minhas são sebentas
Quem sabe tu as entendas
Fala dos vendavais e do estio
Daquele rio onde os peixes são de prata
As mãos do homem erraram na fragata
E os peixes brilham
Fala-me
Da criança que foste
Daquela que fui
Do olhar e do que ele inclui
Sempre que a tarde desce
No Alentejo
Quem sabe amor
A ramagem amarelada pelo verão
Volte a ser verde ao toque da tua mão
Quem sabe amor
Aquele menino
Que um dia se atreveu a sonhar
Encontre a menina que teimo em fechar
Sob a cara fechada,
A aba do chapéu de palha
A saia desbotada
O cansaço mesquinho
Do pó fininho
Que me entra pela pele
Se alberga em cada poro e repele
Os toques suaves
Quem sabe amor
Se um dia me falares
O Alentejo resgatará
A melodia estival
As cigarras se recolham
Nos cantes reacendidos
Pelo som do restolho
Que verga ao nossos passos… Júlia Soares um outro pseudónimo.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Um dia

Um dia…

Um dia
Encontrarei a sombra
Um oásis divergente
Onde
os meus grão de areia
Não sejam só
Areia
No meio da diferença
Eclodirá
Em chuva miudinha
O repartir
A igualdade
O dar
E
Receber
Em liberdade.
Um dia.

Inquietação

Se as areias não se perdessem
O meu coração seria diferente
Não teria momentos de espera
As batidas seriam suaves
E os apertos, fitas de seda, suaves
Se as areias não se perdessem
Eu hoje sorria e amanhã morreria

Mas uma lágrima sufoca o aperto
Ignora o sol lá fora que aquece as paredes
Ignora o galo que canta  uma marcha delirante
Onde a vida pulsa tão distante do antes
Lembra-me que o dia é dos caminhantes
E o depois que me assola e que não reconheço
Disfarça-se no agora, diz-me que envelheço
A lágrima perdeu-se na escada
Mas outra se assola, inunda a fachada

Tenho saudades do que desconheço
Tenho saudades sempre que adormeço
Depois ao acordar sem fitas de seda
As saudades aconchegam-me de arreveso

Serei complicada de visão turvada
Ou então embrenhei-me na estrada
Por onde as areias entopem as bermas
E tu caminhas tão só como eu
Mas a distancia é enorme
Os grãos de areia são balas perdidas
Transpuseram o sonho da juventude ida

E o hoje numa angustiante inquietação
Exalta o meu cansado coração
A transpor as bermas da transformação
Porque a vida é grãos de areia em movimento
Que se deve soltar de degrau em degrau
Sob pena de se perder no vento.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Naturalmente

Os poetas sentam-se à mesa
Desfolham relíquias
Aos meus olhos
São rosários, são bitolas
Entram e sentam-se
Naturalmente
Com alguma timidez
Tão própria dos poetas

Eu
Busco em cada gesto
A seiva de que me alimento
Eu sei por vezes vejo
Um beijo
Solto no vento
Também vejo dores
As que a alma esconde
E flores
Um jardim imenso
Onde flutua incenso

São os outros
Que também se sentam
Fernando e Torga
Sofia, Ramos Rosa
O Aleixo
Com uma quadra airosa
Pressinto os passos
De Almada Negreiros
Ary dos Santos
Até Vitorino Nemésio

Estes são alguns
Que vieram sem pedir
Muitos mais virão
Um dia
Quando o poema emergir

Bravia

Bravia…

Sabes porque me pesa o indeciso
De um pensamento
Que juro não ter
Quase sempre é conciso
Que insisto em não ver

Sabes porque te sei
Os caminhos paralelos
Na meninice encontrei

Mas a vida é matreira
O Alentejo é enorme
Portugal é ribeira
Por onde a poesia morre

Sabes porque me pesa o indeciso
Então segreda-me a meia luz
Diz-me que o país avança
Que a canga lhe foge e a cruz
Sabes
Sinto uma falta crescente
De me sentar à mesa
De ter uma franca conversa
Dos velhos
Do vermelho e do verde
Sabes
Estou tão distante dos passos
Que te adivinho um dia
Desbravando análogos
De uma saudade bravia

Limiar

No limiar de alguma coisa
Encontro-me
A soleira, e a porta entreaberta
Convidam à ida
Se o tempo dúbio fosse altivo
Quem sabe
O limiar aligeirasse

Percorro caminhos precoces
São de uma precocidade rara
Encontro o teu rosto
Que desconheço
Em cada ribanceira insólita

Porque me persegues
Nos sonhos
Não sabes que não os comando
Porque me persegues
Na morte
Se morta estou até quando

O limiar transpuser
Prematuros até lá
Serão todos os olhares
Um alcançar indeciso
Que te julga ultrapassar.

domingo, 17 de julho de 2011

As asas dos pombos

As asas dos pombos

Preciso de um sorriso que o dia entenda
Como seria se os pombos não me velassem
A praça vazia de gente recorda-me o frio
E se os pombos não me tapassem
A falta constante em que a mente entra
Sempre que a praça é despojada
Se ao menos a sombra mostrasse
As sombras tingidas pela resignação
Se ao menos o caderno amarrotado
Não me amarfanhasse o coração

Abasteço-me de vazios cinzentos
Nas asas dos pombos que me aconchegam
Repara os seus olhos são vidrados
São vidros quebrados p`los fantasmas
Que povoam a praça e sempre me amparam
Na falta de um sorriso que uma mão estenda
Demando esquecida nas asas dos pombos
Sabes, tenho fome de sorrisos que não tragam contenda

sábado, 16 de julho de 2011

Terra batida

Esta terra batida que separa o âmago
Sinto que o eixo se corrói na distância
Nos olhares denoto alguma pertinência
E o amor é corcel rodando no centro

Os espaços em branco denotam saudade
 Manifestação constante à qual sou alheia
Que será da vida se estiver meio cheia
E o crer que será se lhe faltar a verdade

Ó deus dá-me o leito de um rio profundo
Dá-me as pedras redondas que torneiam o fundo
Também me podes dar alguns peixes cinzentos

Quero colori-los e brincar com eles
Quero emprestar à saudade afinco
Porque a terra batida há muito não sinto

domingo, 10 de julho de 2011

Suspenso

Se eu não percorresse a tua mente numa busca contínua
Procurando-me a mim
Se o teu olhar não fosse o meu
Aquele que já não sei
De tantas maneiras te olhei
Outras mil insultei
Se eu não vasculhasse emoções
Monções, desilusões
A devolução do momento seria desastrosa
Mas, seria séria não seria enganosa
Engano-me a mim no tacto
Escondo-me de ti sem espalhafato

O dia seria melhor
Se virasse costas ao facto
E num acto tresloucado me revirasse por dentro
Estou presa numa caverna húmida e suja
Por vezes as lágrimas incitam ao asseio 
Mas o devaneio fala mais alto
Incita-me a subir o planalto onde subornando

A escrita se decompõe no fundo da alma
Num tempo ido busquei a calma
Hoje busco desilusão, agora sei
Desilusão no toque da minha mão

Por tudo isso não me olhes
Não acredites em poetas que não creiam
A sua alma é lavada por cinzas
E as suas mãos estão gretadas pelo papel amarelecido
Onde despojam desilusões, tantas vezes sem sentido

Por tudo isto não me queiras
Não queiras o que não entendes
Os poetas são mercadoria contrafeita
A sua raça está desfeita
Porque as palavras que gritam não são deles
São de um povo que lhes chama seus

Doidos, os poetas jamais serão seus
São filhos das pedras, são camafeus
A sua sina será a ruína
Deitando por terra valores caducos
Elevando ao alto os pés gretados de um pobre eunuco

 Por tudo isto não me olhes
Porque os poetas gritam a castração do mundo
E tu, tu vives suspenso e mudo.

Viúva Negra

Hipnose...
A partícula que me mantém suspensa.
Como o pensar me pesa!
A aresta trémula da cegueira vagueia sem rumo...
Aranhas tecem uma teia na qual me embrenho.   
Desapareço silenciosamente por entre mim mesma.
Para no final: acordar no ribombar do trovão.
A observação deslavada:
Encaminha pela seda cuspida...
A aranha encurralada sacia-se no macho que abate.
Oh! Ventania que me sacode a alma.
Leva-me... Leva-me numa calçada gasta.
Que o país está moribundo!
Os mortos não querem sair à rua.
Hipnose...
É o relicário de uma vez por ano.
Como é linda a fotografia, endoidecida!...
E eu...
Enviuvando na poesia,
enrosco-me sobre mim mesma dando a mordida, fatal.

Portugal...
Um país tecendo teias por entre viúvas negras.
Agora; podem dizer... Enlouqueceu...
Os pobres deixaram de existir,
a pele de curtir.
E os mortos reviram-se na sepultura.

Só eles se deram conta do que ainda está para vir!

sábado, 9 de julho de 2011

Passos

Passos…

E tu aí parado olhando a cidade
Vazia de tudo
Como se o tudo fosse a vestimenta da minha vaidade
Vai-te
Percorre caminhos que nunca traçaste
Como se esses caminhos me olhassem nua
Olha
Com olhos de ver esses muros altos
Os muros das prisões que inventaste
Deixa
Cair na monotonia o meu choro alado
Erguê-lo-ei  por entre as sombras do muro

Os presos que retens por entre arame farpado
Irão rir-se para ti e para mim
Será efémero o seu riso tresloucado
E os passos
O eco dos teus passos tresmalhados
Tocam a marcha fúnebre
BLAM, BLAM, BLAM
Ribombam trovões nos tambores furados
BLAM, BLAM, BLAM

E os passos moídos hipnotizam afinal.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Olhar

Olhar, olhar só por olhar
Eu gostaria de o fazer
Olhar, olhar sem entender
Enfim do que estarei a falar

Falo de olhares que escurecem
Sempre que o olhar se quer apurado
Falo de olhares que não reviram, aguado
Pode ser também um olhar que não advém
Já sei que rir ou chorar atrai o olhar
Uns vêem cinzento, outros, imenso mar

Nos caminhos em ziguezague
Por onde os olhar se cruza
Tantas vezes os olhos não sabem
O quanto a mente é confusa

A ceifa que o olhar transporta
Está na ponta da língua
Olhando de porta em porta
Os olhos saciam a míngua.

Eu, que o olhar atraio
Procuro nos olhos que passam
Um rebuscar catraio
Que os seus olhos satisfaçam.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Conversas com o amor (I)

Procuro tudo o que não encontro
Nas tuas mãos sob a minha pele

Procuro a sombra almejada
Num simples pedaço de papel

Quando me olhas é como se desconhecesses
A força vital que me trás átona

E eu rio, rio sem graça
No meu riso amarelo uma dor se afunda

E as tuas mãos mantém o rumo certo sem dar por nada.

Conversas com o destino (IV)

Sim, ignora o que não compreendes
O esforço é enorme, não te consomes
Em gestos banais que podem mudar
O rumo taciturno, mas para quê apostar
A vida é tão cómoda, assim sem transbordar

Se até as andorinhas voltam sempre ao mesmo lugar
Ignora o que não entendes, fecha o coração ao novo
Conservadores sejam todos os teus desejos
A bitola mesmo gasta serve os intentos
De permanecer quieto, não deixar entrar o ar  
No compartimento bafiento em que acabará por sufocar
Aquilo a que chamas vida.

Mas, porque me preocupo contigo
Vivemos em galáxias distintas
Não nos alcançamos nem em meras visitas
Eu gosto de ar puro, tu odeias as formigas
 Gosto do cheiro da chuva, tu constipas-te facilmente
O nosso dia-a-dia é tão diferente

Sabes que mais, fica aí, fala com as paredes
Talvez elas te digam aquilo que não percebes
Que a vida é tão curta, só se vive uma vez
E a conta do banco essa esfuma-se, talvez
Nesse dia a terra te abrace
E a conta do banco se enlace a um outro
Nesse dia meu amigo estarás morto

E o tempo morto de riso, afinal foste um tolo
Que nunca perdeu o siso.

Conversas com o destino (II)

Não será já tempo de me olhares com olhos despertos
Começo a estar farta desses olhares encobertos
São como o monte em dia de nevoeiro
Bem sabes que o nevoeiro quase sempre é matreiro
O pé desliza na escarpa e parte-se o tornozelo

Ah, agora olhas-me com vida
As faúlhas chispam nos teus olhos
Sabes gosto mais assim, lembram-me molhos
De espigas por entre jasmim
Ah! Estás a rir para mim
A raiva ateou o fogo que há em ti
Apenas te esqueceste da escarpa

E eu, eu confundi esse riso trocista
Com um pouco de humanismo simplista
Logo a dor no tornozelo se transformou num novelo
E as espigas murcharam com o principio do fim.

Conversas com o destino (I)


Tens razão passo muitas horas na Internet, horas de solidão imposta a mim mesma. Benditas essas horas que me permitem adquirir o saber de outros, daqueles que realmente valeram e valem a pena neste mundo. Passo muitas horas na Internet, benditas horas que me tem aberto a mente e o olhar e me tem ensinado que não estou assim tão errada com o que penso da vida e sobre o que é viver de verdade. Benditas horas que me tem ensinado a evoluir enquanto pessoa e enquanto poeta, é disso que tens medo é isso que não compreendes a minha evolução, é o que acontece quando nos acomodamos e vemos os outros caminhar mesmo que lentamente.
Não te incomodo mais, já tens muito em que pensar.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Carta ao destino

Cansei de olhar os dias
De esperar o que eles me trazem
Dos medos, do que eles me fazem
Das faltas e das alegrias
Cansei, vê tu o ultraje

Cansei do caminho sem volta
Das horas que vivo à espera
Dos risos sem vontade
Das tuas mãos ansiedade
Leso cansaço ferido

Mas não cansei do sentido
Do desejo aperaltado
De morrer por entre sombras
De corvos sulcando o ar, assombras
Tantas vezes o meu cansar

Cansei, deixa-me descansar
Preciso de um banho alvo
Pode-te parecer calvo
O meu modo de gritar
Este cansaço alado

Nem todo o ouro roubado
Ao descanso que a mente almeja
Nem tudo vem de bandeja
Escondido no seu doirado
O ouro por vezes é branco
Passa por prata o malvado

Cansei do destino traçado
Pela minha mão incoerente
Foi empurrada p`la mente
Num dia ensolarado
E agora que está bichado
Peço ao sol que me ilumine
Me dei-a ao seu jeito sublime
O descanso merecido
Porque o ingrato destino
Ainda sou eu que decido.

Sombra

Vou vestir-me de chita e sair por aí
Pés acomodados nas sandálias gastas
Vou levar nos cabelos ideias rascas
Que não me cabem na mente
No olhar levarei a semente
Que inundará a rua de esperança
Deixarei o que me arruína a lembrança
Fechado a sete chaves de desejo

Sairei por aí procurando o amor
Aquele que não me queira adulterar
Pedirei à saudade um breve meditar
Sobre o que sou, mesmo que seja incolor

Levarei na sacola um pedido
Não olhem para o meu vestido
É de chita singela mas é garrido
Tem desenhado a lápis o sentido
Do meu andar cansado

E o desejo esse é um mastro de onde abraço o horizonte
De onde albergo num abraço um mundo que inventei
Talvez não seja o que um dia sonhei
Mas será sempre a sombra vadia que salta da ponte.

Vielas

Caminhou com passos perdidos...
Jamais!.. deu dois passos atrás.
Os ninhos das vielas, eram antros, enlouquecidos.
E o mundo: uma redoma prestes a explodir!
Um dia perdeu os sentidos.
Olhou-se no espelho... já não era rapaz!

Aquele quem é, que não reconhece?
O seu nome é Zé e na vida esvaece.
Aquele quem é, será que tem nome?
As rugas na testa demarcam a fome.

Caminha com passos vencidos...
A barriga ronca com fome de vida...
Quem são os seus filhos, quem foi, sua mãe?
E o tal de Deus que o carrega nas costas...
Traz-lhe à lembrança, a morte manhosa.
Perdido na ruela que se decompõe.
Solta um grito rouco!...
Agora me vou deste mundo louco...
Diz adeus aos ninhos, antes de partir.
Roga que interpelem, uma dor, um sentir.

Roga que não esqueçam: que um dia também soube rir!

domingo, 3 de julho de 2011

Bate coração

Porque bates ao ritmo das palavras
Será que não sabes que a maioria são surdas
Perdem-se num tempo que não virá
Em lamentos e bifurcações que a vida terá
No dia em que os pássaros se calarem
E o vento parar de soprar
Nesse dia rirás com a certeza de alcançar
Um tempo que não foi teu, nunca o soubeste inventar
Perdido que andavas em as palavras alindar

Porque bates coração
Porque me saltas do peito
Sempre que me fustiga o vento suão
E o restolho me escorrega com jeito
Por entres palavras dia sim dia não

Esta força que me impele a rir-me de mim
Talvez a tenha herdado à nascença
Bate, bate, é preciso que me convença
Que as palavras tem meio principio e fim
Bate coração deixa o cansaço de lado
Por vezes pareces amordaçado
Por palavras sem feitio
Bate, bate anafa-te no vazio
Desta solidão imposta pelas palavras como barcaça
Olho para o lado e não lhe encontro graça
Tal como tu não sei bater sem que um vocábulo se faça jardim.

Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo